quinta-feira, 5 de março de 2009

Os desafios do trabalho em equipe


Várias cabeças sempre pensam melhor do que uma. Quando isso não acontece é porque elas não estão trabalhando em time

Era uma vez três lavradores que trabalhavam juntos. Cada um tinha uma função: o primeiro era encarregado de abrir buracos na terra; o segundo jogava as sementes dentro deles; a tarefa do terceiro era ir tapando os buracos que já tinham sementes. Certo dia, o primeiro e o terceiro lavradores estavam trabalhando. Um homem que passava pelo local viu os dois e perguntou: “Mas o que é que vocês estão fazendo?” Eles responderam: “Estamos plantando sementes”. O homem, então, comentou: “Mas que sementes?!!! Vocês não repararam que o encarregado de jogá-las não veio trabalhar?” Essa é a história que Magali Bredariol, gerente de RH e desenvolvimento organizacional da Stefanini, empresa de tecnologia da informação com matriz em São Paulo e unidades na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina, costuma contar quando alguém lhe pede uma definição sobre o que é trabalho em grupo. O que, para ela, é bem diferente de trabalhar em equipe. “Costumo dizer que equipes são grupos que evoluíram”, define. Parece jogo de palavras? Magali jura que não é e dá mais um exemplo para explicar sua teoria: Charles Chaplin em Tempos Modernos, de 1936, filme que retratava a vida urbana nos Estados Unidos nos anos 30. Quem não se lembra daquela famosa cena em que ele apertava parafusos sem parar? “Numa linha de produção, as pessoas trabalham em grupo, mas não em equipe. O trabalho que elas fazem, na verdade, é individual, só que realizado lado a lado. Nesse sistema, cada um se preocupa em fazer seu trabalho – e só”, comenta Magali. O trabalho em equipe pressupõe que os membros do time saibam o que os outros estão fazendo e, dependendo do caso, possam até substituir o colega. No grupo é cada um por si. Já a equipe funciona na base do um por todos e todos por um!

Paula Caproni, professora da Michigan Business School e autora de Treinamento Gerencial (editora Makron), também é adepta da teoria de que a diferença entre grupos e times ultrapassa as questões semânticas. “Embora grupos e equipes sejam compostos de indivíduos trabalhando em nome de objetivos comuns, os times tendem a desenvolver uma meta coletiva que vai além daquela que a organização determinou para eles”, escreveu ela em seu livro.

Quando a união fez a força

As equipes fazem parte da vida das empresas. Historicamente, o trabalho coletivo ganhou força na última metade do século 20. “Em decorrência da Segunda Guerra Mundial, as pessoas começaram a se preocupar mais com o espírito democrático”, diz Fela Moscovici, consultora e mestre em psicologia social. Foi nas décadas de 50 e 60 que começaram a pipocar os primeiros conceitos de liderança participativa. O psicólogo Kurt Lewin, que desenvolveu pesquisas importantes no campo da psicologia social, definiu três tipos de liderança: democrática ou participativa, autocrática e anárquica. Nessa última o líder não atua, criando uma falsa idéias de que há democracia. “Na linha de produção, por exemplo, a liderança é autocrática”, explica Fela, que escreveu A Organização por Trás do Espelho (José Olympio Editora). As equipes pressupõem uma liderança democrática. Mas nem sempre é possível distinguir isso com clareza, pois, muitas vezes, o líder precisa tomar decisões drásticas, sem que haja tempo para chegar a um consenso. Digamos que a empresa baixou a norma de que é preciso cortar radicalmente os gastos. O líder pode até discutir com o time onde poderá fazer os cortes, mas o corte em si já está decidido.

Se fôssemos situar o trabalho em equipe no processo evolutivo profissional, teríamos primeiro o individuo; depois, o grupo; e, na ponta, a equipe. A máxima de que duas cabeças pensam melhor do que uma é verdadeira desde os primórdios da humanidade. “Além da eficiência, a afetividade que aparece no grupo também precisa ser levada em conta”, diz Fela. Segundo ela, o ser humano se relaciona com os outros basicamente em dois níveis: no cognitivo e no socioemocional. Nesse sentido, a experiência de trabalhar em grupo é muito rica, pois propicia essas duas vivências. Acontece que um grupo não se torna uma equipe naturalmente, por decurso de prazo. É preciso muito esforço e dedicação. Um time é um time quando passou do estágio em que busca apenas resultados financeiros. Existe a preocupação real com o bem-estar das pessoas. “Em uma equipe deve haver sinergia, e isso é muito mais do que a soma dos esforços individuais”, comenta Fela. Como ela escreveu em seu livro, nas equipes de alto desempenho, que são o modelo ideal, as competências emocionais têm tanta importância quanto os fatores técnicos e cognitivos. Autoconsciência, controle emocional, intuição, empatia, comunicação eficiente e relacionamento sadio entre os membros do grupo – tudo isso entra no rol da competência emocional da equipe. Paula Caproni diz que os times de alta performance têm seis características básicas:

1- Limites precisos – Todos sabem quem pertence ou não ao time. Da mesma maneira, a equipe é reconhecida pelos outros como uma unidade organizacional.

2- Objetivos comuns – As metas dizem respeito à equipe, e todos reconhecem e assumem a responsabilidade por seu cumprimento.

3- Papéis diferenciados – Cada membro do time deve dar sua contribuição individual à equipe.

4- Autonomia – A liberdade para realizar o trabalho é uma marca registrada das equipes.

5- Dependência dos recursos externos – Os membros da equipe sabem que dependem de outras equipes ou indivíduos para conseguir informações, recursos e apoio. Enfim, eles valorizam tudo o que possa ajudá-los a cumprir seus objetivos.

6- Responsabilidade coletiva – Recompensas e feedbacks são uma constante, principalmente para o time como um todo.

Tudo é prioridade

O trabalho em time pode ser olhado por dois aspectos: um se refere à atividade; o outro, ao processo. A atividade se relaciona com a esfera do trabalho, das regras, da rotina, da técnica, do que vai ser realizado para produzir determinado resultado. Os gestores que privilegiam a atividade costumam exercer o tipo de liderança conhecida como científica ou técnica. Já o processo explica como a atividade será feita e tem a ver com as competências emocionais. “O processo inclui a maneira subjetiva como as pessoas se relacionam para atingir as metas”, completa a consultora Rosa Bernhoeft, da Alba & Bernhoeft Associados, de São Paulo. É o que está fora do manual, não é controlável. A liderança científica só enfoca o procedimento técnico da gerência e pode levar a muitos equívocos.

A culpa não é só das empresas, nem dos líderes. Pesquisas mostram que os profissionais brasileiros só se sentem seguros se souberem exatamente o que vão fazer no trabalho. Eles sentem muita dificuldade de abrir mão de seus padrões para recriar o trabalho. E abrir mão de padrões tem tudo a ver com o processo – algo que o líder do time nunca pode subestimar. Aliás, nem tanto ao processo nem tanto à atividade. Na verdade, o líder tem de procurar estabelecer o equilíbrio entre esses dois aspectos. Senão, um dia pode descobrir que está à frente de uma equipe que vive discutindo a relação, mas esquece que tem objetivos a cumprir. Metodologia de trabalho, reengenharia, gestão de projetos pertencem ao campo da atividade. Em tese, não há problemas nessa dimensão porque ela é objetiva e lida com planos bem definidos. “Quase tudo é previsível e passível de resolução”, diz Rosa. As dificuldades que podem surgir têm a ver basicamente com falta de recursos, de informação e de técnica – o que pode ser solucionado com relativa facilidade. Por outro lado, no campo do processo encontra-se a parte intangível do trabalho em equipe. Aqui, começa-se a lidar com significado, motivação e o que faz as pessoas sair da cama todos os dias para ir trabalhar. No plano da atividade, a individualidade não existe. Já no plano do processo as diferenças individuais precisam ser muito bem administradas. “Ter bom senso e cuidado é fundamental para lidar com as pessoas”, diz o designer carioca Fred Gelli, da Tátil Design, empresa do Rio de Janeiro que trabalha com equipes criadas a partir de projetos.

Campo minado

Uma característica do trabalho em equipe refere-se ao processo de tomar decisões. “Decidir em grupo costuma ser mais demorado porque é preciso chegar a um ponto em que todos, ou pelo menos a maioria, concordem”, diz Luiz Carlos Barchechen, coordenador de RH da Landis+Gyr, nova razão social da Siemens Metering, a campeã da edição 2002 do Guia EXAME das 100 Melhores Empresas para Você Trabalhar. No entanto, depois que se chega a uma conclusão, implementar o que foi decidido é mais rápido e fácil do que nos casos em que as decisões vêm de cima para baixo.

A composição da equipe também é um ponto-chave do trabalho coletivo. “Quanto mais multifuncionais forem as pessoas, melhor”. Especialistas costumam ter uma visão muito situacional”, diz Barchechen. Da mesma forma, não pode haver um gap técnico muito grande entre os membros da equipe. “Todos têm se estar alinhados no que se refere ao conhecimento. Senão, fica difícil manter a sinergia”, diz Edmar Oliveira, coordenador técnico de uma equipe da Stefanini. Quando isso não acontece, o grupo rejeita naturalmente o individuo que não está exercendo suas funções como deveria. É quase como se houvesse um mecanismo auto-regulador que também entra em ação quando aparece alguém com o ego inflado. “Não adianta insistir: tem gente que simplesmente não tem perfil para trabalhar em equipe, seja porque prefere realizar sua tarefa individualmente, seja porque não gosta nem um pouco da idéia de dividir seu sucesso com os outros”, comenta Barchechen.

Ainda assim, é preciso levar em conta a máxima de Nelson Rodrigues “Toda unanimidade é burra”. Um pouco de polêmica não faz mal a nenhuma equipe – aliás, ao contrário, pode ser até melhorar o trabalho. Por isso, são bem-vindos os profissionais dotados de senso crítico mais aguçado e até mesmo aqueles que têm certo gosto para a competição. Já pensou no trabalho feito por pessoas que pensam e agem exatamente da mesma maneira? É totalmente previsível. Essa ausência de conflito, aliás, é uma das armadilhas do trabalho em time. Quem diz isso é o consultor Patrick Lencioni, autor de Os 5 Desafios das Equipes (editora Campus). Segundo ele, essas armadilhas aparecem naturalmente e devem sempre ser administradas em conjunto, por que não se trata de problemas isolados. No livro, Lencioni também sugere o que o líder pode fazer para tentar contornar essas situações delicadas. Atitudes que, em muitos casos, podem perfeitamente ser adotadas pelos integrantes do time. Afinal, em uma equipe todos estão por todos. Então, não custa tentar!

1- FALTA DE CONFIANÇA – A confiança é a base do trabalho em equipe e não é conquistada de um dia para o outro. As pessoas precisam se sentir à vontade umas com as outras, a ponto de conseguir mostrar sua vulnerabilidade e, muito importante, devem ter certeza de que seus pontos fracos jamais serão usados contra elas. Quando não há preocupação com a autoproteção, as pessoas voltam sua atenção para o trabalho que precisam realizar.

O que o líder pode fazer: O ponto de partida para corrigir a falta de confiança é mostrar a própria vulnerabilidade. Se o líder, que é o exemplo, agir dessa maneira, os membros do grupo também vão se sentir compelidos a fazer o mesmo. E que isso não seja uma encenação. Senão, pode dizer adeus à confiança! “A auto-exposição, inclusive a minha, é uma constante. Precisamos aprender com os erros”, diz Oliveira, da Stefanini.

2- FALTA DE CONFLITO – Em alguns casos, o consenso exagerado não vem do fato de as pessoas do grupo terem um perfil parecido ou de concordarem em tudo. Às vezes, o que está por trás disso é a falta de confiança. Inseguros quanto ao que os outros pensam sobre eles, os membros do time automaticamente começam a fazer o que podem para evitar polêmicas. Grupos que funcionam assim, geralmente têm reuniões mornas e desinteressantes, em que os comentários paralelos correm soltos.

O que o líder por fazer: Deixar que as pessoas resolvam seus conflitos é o melhor jeito de fazê-las aprender a lidar com situações difíceis. Existem conflitos que são saudáveis porque contribuem para o crescimento individual e coletivo. Então, o líder só deve interferir quando for realmente necessário.

3- FALTA DE COMPROMETIMENTO – Equipe que não debate seus problemas abertamente tem dificuldade em se comprometer com as decisões. A concordância é apenas de fachada, porque as pessoas não se envolvem com a decisão.

O que o líder pode fazer: É preciso levar a equipe a concluir o que se propôs a realizar e, muito importante, dentro do prazo estabelecido. O líder também deve encarar com naturalidade o fato de que algumas de suas decisões podem, com o tempo, se revelar erradas.

4- FALTA DE RESPONSABILIDADE – Se não existe um plano claro de ação, dificilmente vai haver comprometimento real do grupo. Logo, as pessoas vão evitar assumir qualquer tipo de responsabilidade, como, por exemplo, chamar a atenção de um colega cujo desempenho está comprometendo o trabalho do time.

O que o líder pode fazer: O trabalho em equipe vai de vento em popa quando todos sabem o que todos estão fazendo e conseguem acompanhar a evolução do trabalho. Isso ativa o mecanismo de auto-regulação do grupo. Assim, não caberá só ao líder, mas a todos os componentes do time, cobrar pela execução de tarefas que ainda não foram realizadas. Instituir prêmios pela performance coletiva também é um bom jeito de estimular o senso de responsabilidade.

5- FALTA DE ATENÇÃO AOS RESULTADOS – Essa quinta disfunção é conseqüência direta das outras quatro. Ela pode aparecer quando os membros da equipe começam a colocar suas necessidades individuais acima das metas coletivas. Também não é producente quando a equipe se contenta com o simples fato de existir e se apóia nisso. Nesses casos, as metas geralmente são relegadas a segundo plano.

O que o líder pode fazer: Cabe ao chefe a tarefa de determinar a disposição que as pessoas devem ter para o trabalho e para atingir os resultados. Se ele mesmo não dá mostras de entusiasmo, de que se importa com o assunto, como pode esperar algo diferente do time?

Sem estabelecer pactos de convivência, nada feito! Essa é a orientação que o consultor Luis Fernando Cortoni, professor do Instituo Vanzolini (USP) e sócio-diretor da LCZ Desenvolvimento e Organização de Pessoas, em São Paulo, geralmente dá a seus clientes. Para isso, o grupo precisa se reunir de tempos em tempos e colocar as cartas na mesa. “As condições, expectativas e percepções individuais precisam ser explicitadas e negociadas. Sempre levando em consideração a situação em que o grupo se encontra no momento“, diz ele. Isso engloba metas, divisão de papéis e o relacionamento interpessoal e com o chefe. Como se vê, trabalhar em equipe pode ser muito simples, mas também muito complicado. Depende do ponto de vista.

Elas sabem das coisas
Quando o assunto é trabalhar em equipe, as formigas dão uma aula de time. Elas vivem numa sociedade organizada e sabem exatamente o que fazer pelo bem comum. Detalhe: não precisam receber ordens para agir. Quando estão em ação, a sincronia entre as formigas é tão perfeita que elas parecem funcionar como células do mesmo corpo. São a prova viva de que a união tem tudo a ver com a força. Juntas, são capazes de fazer o que não dariam conta de realizar se estivessem sozinhas.

Teoria na prática
Estes livros podem ajuda-lo a entender melhor a dinâmica do trabalho em equipe – seja você o líder ou não

1) A Organização por trás do Espelho, de Fela Moscovici (José Olympio Editora) – Reflexões interessantes sobre questões do trabalho que nem sempre são visíveis a olho nu.

2) Treinamento Gerencial, de Paula Caproni (editora Makron) – Fundamentos da gestão, que também interessam a quem ainda não está à frente de uma equipe.

3) Os 5 Desafios das Equipes, de Patrick Lencioni (editora Campus) – Usando como ponto de partida a história da Decision Tech, uma empresa fictícia de tecnologia, e Kathryn, a CEO recém-empossada, Lencioni descreve o que considera as cinco disfunções das equipes e propõe atitudes que ajudam a consertar a situação.

4) Equipes de Alta Performance, de Jon R. Katzenbach e Douglas K. Smith (editora Campus) – A partir do que consideram os seis princípios básicos do trabalho em equipe, os autores formulam orientações e sugerem exercícios para facilitar o trabalho em time.


Fonte: Revista Você S/A – junho de 2003 – pg. 54 a 63 – Jornalista: Márcia Rocha